11.4.07
SEM REDE
Vou quebrar a regra mais uma vez. Por ti, que sempre as aceitaste apenas para as poder quebrar. E dorme tranquila, porque te reconheci, porque me reconheci em tudo o que escreveste, e isso apenas confirma o que sentimos ambos e eu por vezes impedi que revelasses…
Neste momento, porque te amo tanto como me amaste, e não posso, tal como não pudeste dizer-me de viva voz o que acabei de ler mas sabia que pensavas, resta-me escrever o que não vais poder ler, mas também sabias que eu pensava… Hoje, em homenagem ao nosso amor, que sempre o foi, sem nunca ter sido plenamente vivido, vou dizer-te tudo o que ficou por dizer, em palavras, tal como tu própria o farias, como tantas vezes quiseste ouvir, nem que fosse para me dizeres também o que sempre soube que querias dizer-me…Vou ser como tu. Para resgatar a única verdade que nos neguei, e que hoje, sabendo que não estás cá, questiono se terá valido a pena…Teríamos ficado mais próximos? Teria sido demasiado duro? Só te posso dizer do mais profundo de mim, que não poderia ter sido nunca, em nenhum momento, mais verdadeiro do que sempre foi…porque ao contrário de ti, o que os nossos olhos falam, para mim, torna as palavras algo desnecessárias. Eu sei… eu sei que tens os olhos que melhor sabem ler ao cimo da terra, mas apesar disso adoras as palavras…Por ti, só por ti, para que no teu conceito de verdade a verdade se erga entre nós sem dúvidas que nunca existiram, eu vou dizer-te o que já sabes sem que nunca to tivesse dito…e não tive nunca mais amor por ti, do que neste momento…
Sim, para ti sou um peixinho. Felizmente não um peixinho dourado, apenas um peixinho…e sim, sempre pensei que na vida o mais importante eram os princípios que te davam brilho ao olhar, e também é verdade que sempre partilhamos os valores mais importantes para ambos, não porque mos tivesses dado a conhecer, mas porque, tal como aconteceu contigo, já eram meus antes de te conhecer. Sim, sempre te percebi como a tal “guerrilheira” de que falaste. Para ti não era suficientemente importante leres nos meus olhos que era como tu! Tu desafiavas-me com o teu olhar para assumir com palavras o que-- desculpa -- eu não considerava tão importante dizer quanto sentir! É verdade. Não faz parte da minha forma de vida discussões estéreis embora saiba que, para ti, discussões nunca tenham sido estéreis. Mas lembras-te das noites em que, após batalhas que não te acrescentaram nada para além da força que já tinhas, teres chorado baixinho aninhada em mim, porque a única coisa que tinhas ganho, na verdade, tinha sido a decepção, o desencanto?
Não, não me envergonho de ser como sou. E confesso, ainda hoje te amo e já não estás estas aqui e apesar de te ter respeitado como poucos o fizeram, tu mereceste sempre mais. Apesar, ou pelo facto de teres sido sempre dura com quem amavas, por considerares que ninguém te merecia menos do que isso, por considerares que os que amavas não te mereciam menos do que a verdade, tal como a sentias por mais dura que parecesse…sempre te importaste, nunca passaste ao lado de quem amavas… e sempre amaste mais do que parecia possível… das mais diversas maneiras…
Não, tu não foste nunca um peixinho. Para mim, eras uma guerrilheira asfixiada na sua própria teia de pequenas batalhas. Lembras-te das tuas guerrinhas contra o preconceito? Vou confessar-te, algumas vezes pensei que esse era o teu único preconceito: “não ter preconceitos”. E sei que houve alguma injustiça nesse pensamento; talvez tenhas razão quando dizes que vivo numa concha aberta de onde nunca saio, mas também penso que o teu grande problema talvez tenha sido caminhar sem pensar num lugar para onde pudesses voltar, um porto de abrigo,,, desprotegida, exposta à luz e às intempéries também, não te permitiste um espaço de descanso, um porto seguro…Para onde querias ir quando as tuas forças se esgotassem? Ou… será que foste para o teu porto seguro que escondeste de todos, quando as tuas forças se esgotaram e escondeste isso de todos? Sim, estou a ser como tu. Sinto-me neste momento mais como tu do que como eu próprio. Revoltado porque era cedo, revoltado porque não tinhas dado tudo quanto tinhas para dar. Eu sei que deste de ti tudo quanto tinhas para dar, sempre…não haveria mais, já? Será que estou a ser tão como tu que acredito que tinhas que ser inesgotável? Que foi injusto para mim teres saído do teu sonho, o teu casulo, afinal, tal como a minha concha, para fazeres 70kms, pôr um envelope no correio…e na volta, teres-te distraído de tal forma que tivesses deixado a noite derramar o seu manto sobre ti e te apagasse? Será que, como única consolação me resta acreditar ter sido um pouco do nosso amor mal escondido que te tenha feito pensar em mim nos últimos segundos que antecederam o anoitecer?
Neste momento, porque te amo tanto como me amaste, e não posso, tal como não pudeste dizer-me de viva voz o que acabei de ler mas sabia que pensavas, resta-me escrever o que não vais poder ler, mas também sabias que eu pensava… Hoje, em homenagem ao nosso amor, que sempre o foi, sem nunca ter sido plenamente vivido, vou dizer-te tudo o que ficou por dizer, em palavras, tal como tu própria o farias, como tantas vezes quiseste ouvir, nem que fosse para me dizeres também o que sempre soube que querias dizer-me…Vou ser como tu. Para resgatar a única verdade que nos neguei, e que hoje, sabendo que não estás cá, questiono se terá valido a pena…Teríamos ficado mais próximos? Teria sido demasiado duro? Só te posso dizer do mais profundo de mim, que não poderia ter sido nunca, em nenhum momento, mais verdadeiro do que sempre foi…porque ao contrário de ti, o que os nossos olhos falam, para mim, torna as palavras algo desnecessárias. Eu sei… eu sei que tens os olhos que melhor sabem ler ao cimo da terra, mas apesar disso adoras as palavras…Por ti, só por ti, para que no teu conceito de verdade a verdade se erga entre nós sem dúvidas que nunca existiram, eu vou dizer-te o que já sabes sem que nunca to tivesse dito…e não tive nunca mais amor por ti, do que neste momento…
Sim, para ti sou um peixinho. Felizmente não um peixinho dourado, apenas um peixinho…e sim, sempre pensei que na vida o mais importante eram os princípios que te davam brilho ao olhar, e também é verdade que sempre partilhamos os valores mais importantes para ambos, não porque mos tivesses dado a conhecer, mas porque, tal como aconteceu contigo, já eram meus antes de te conhecer. Sim, sempre te percebi como a tal “guerrilheira” de que falaste. Para ti não era suficientemente importante leres nos meus olhos que era como tu! Tu desafiavas-me com o teu olhar para assumir com palavras o que-- desculpa -- eu não considerava tão importante dizer quanto sentir! É verdade. Não faz parte da minha forma de vida discussões estéreis embora saiba que, para ti, discussões nunca tenham sido estéreis. Mas lembras-te das noites em que, após batalhas que não te acrescentaram nada para além da força que já tinhas, teres chorado baixinho aninhada em mim, porque a única coisa que tinhas ganho, na verdade, tinha sido a decepção, o desencanto?
Não, não me envergonho de ser como sou. E confesso, ainda hoje te amo e já não estás estas aqui e apesar de te ter respeitado como poucos o fizeram, tu mereceste sempre mais. Apesar, ou pelo facto de teres sido sempre dura com quem amavas, por considerares que ninguém te merecia menos do que isso, por considerares que os que amavas não te mereciam menos do que a verdade, tal como a sentias por mais dura que parecesse…sempre te importaste, nunca passaste ao lado de quem amavas… e sempre amaste mais do que parecia possível… das mais diversas maneiras…
Não, tu não foste nunca um peixinho. Para mim, eras uma guerrilheira asfixiada na sua própria teia de pequenas batalhas. Lembras-te das tuas guerrinhas contra o preconceito? Vou confessar-te, algumas vezes pensei que esse era o teu único preconceito: “não ter preconceitos”. E sei que houve alguma injustiça nesse pensamento; talvez tenhas razão quando dizes que vivo numa concha aberta de onde nunca saio, mas também penso que o teu grande problema talvez tenha sido caminhar sem pensar num lugar para onde pudesses voltar, um porto de abrigo,,, desprotegida, exposta à luz e às intempéries também, não te permitiste um espaço de descanso, um porto seguro…Para onde querias ir quando as tuas forças se esgotassem? Ou… será que foste para o teu porto seguro que escondeste de todos, quando as tuas forças se esgotaram e escondeste isso de todos? Sim, estou a ser como tu. Sinto-me neste momento mais como tu do que como eu próprio. Revoltado porque era cedo, revoltado porque não tinhas dado tudo quanto tinhas para dar. Eu sei que deste de ti tudo quanto tinhas para dar, sempre…não haveria mais, já? Será que estou a ser tão como tu que acredito que tinhas que ser inesgotável? Que foi injusto para mim teres saído do teu sonho, o teu casulo, afinal, tal como a minha concha, para fazeres 70kms, pôr um envelope no correio…e na volta, teres-te distraído de tal forma que tivesses deixado a noite derramar o seu manto sobre ti e te apagasse? Será que, como única consolação me resta acreditar ter sido um pouco do nosso amor mal escondido que te tenha feito pensar em mim nos últimos segundos que antecederam o anoitecer?
ENTRE LINHAS...
“Mateus…não sei como te dizer…mas o que começou como uma brincadeira, neste momento é doloroso…Ainda pensei não te dizer nada mas não acho que deva escondê-lo…” Diogo, afundado no sofá como se não quisesse ser visto, estende um envelope” chegou esta manhã. Sei que ela queria muito que o recebesses…desculpa, não posso deixar de te entregar isto que “ela” te mandou”. Diogo estava descontrolado, tímido, inseguro…
Estás a falar de quê, Diogo? Quem é que te…Não!”
“Sim, foi ela. Houve um atraso no correio. Entendes porque não sabia se devia ou não dizer-te?”
Mateus estendeu a mão, pegou o envelope e Diogo saiu como se fugisse. Afinal, como é que a vida o podia encurralar a ele, Diogo, Diogo azul e branco, e para além disso apenas amarelo, numa situação daquelas? Numa situação que envolvia os seus dois únicos amigos incompreensíveis e “não encaixáveis” na sua própria forma de viver, de ver a vida?
Mateus ainda tinha o envelope na mão, fechado, quando ouviu e viu pela janela, o carro desportivo do amigo arrancar como se fugisse de um fantasma. Sentou-se no cadeirão e acariciou o envelope. Sabia que fosse o que fosse, não seria fácil, e os seus olhos ficaram brilhantes, e húmidos, porque a saudade era recente, não tivera ainda tempo de aprender a conviver com ela, mas era já tão profunda que aquilo que tinha nas mãos e ainda não abrira, parecia vindo do mais profundo e longínquo lago que jamais visitara…
Estás a falar de quê, Diogo? Quem é que te…Não!”
“Sim, foi ela. Houve um atraso no correio. Entendes porque não sabia se devia ou não dizer-te?”
Mateus estendeu a mão, pegou o envelope e Diogo saiu como se fugisse. Afinal, como é que a vida o podia encurralar a ele, Diogo, Diogo azul e branco, e para além disso apenas amarelo, numa situação daquelas? Numa situação que envolvia os seus dois únicos amigos incompreensíveis e “não encaixáveis” na sua própria forma de viver, de ver a vida?
Mateus ainda tinha o envelope na mão, fechado, quando ouviu e viu pela janela, o carro desportivo do amigo arrancar como se fugisse de um fantasma. Sentou-se no cadeirão e acariciou o envelope. Sabia que fosse o que fosse, não seria fácil, e os seus olhos ficaram brilhantes, e húmidos, porque a saudade era recente, não tivera ainda tempo de aprender a conviver com ela, mas era já tão profunda que aquilo que tinha nas mãos e ainda não abrira, parecia vindo do mais profundo e longínquo lago que jamais visitara…
10.4.07
ANTES QUE ANOITEÇA...
Decidi fazer uma surpresa a um amigo, com a ajuda de outro amigo. Acontece que o Mateus, o tal amigo que quero surpreender, está numa espécie de licença profissional com o intuito de escrever um livro. Como grandes amigos que somos, eu fui a primeira pessoa a saber um pouco sobre o que ele pretendia fazer. Acompanhei-o em todas as etapas da sua turbulência interior que acabaram por lhe despertar essa necessidade. Bom, na realidade, acompanhei-o nos momentos possíveis, que na sua maior parte foram constituídos por longos passeios à beira mar, em silêncio. Recordo que, por vezes, o meu olhar se cruzava com o seu, e percebia nele um turbilhão negro que deixava transparecer, paradoxalmente, clarões assustadoramente incandescentes. Acompanhei-o, partilhando alguns desses silêncios cheios de significado, mas sobre o trabalho interior que ele teve necessidade de exprimir através da escrita, apenas soube que o seu desejo era dar expressão a algumas reflexões pessoais e falar da vida… da vida como ele via através da sua vivência interior, e da vida que ele percebia através do olhar das pessoas que ia encontrando ao longo da sua vida…
Um dia destes, o Diogo, um amigo comum, disse-me com um olhar malicioso que ia dispensar o Mateus de fazer qualquer referência à vida vista através dos seus olhos, pois ia, ele próprio, falar da vida tal como ele, Diogo, a sentia…
A malícia advinha do facto de saber que todos os que o conhecemos parece vê-lo como um garotão, de sorriso deslumbrante, um bom amigo, mas leve e alegre, quase sempre acima dos problemas existenciais que assolam a maioria de nós, os seus amigos que às vezes são cinzentos, outras brancos, e outras ainda, amarelo - alaranjado…
Penso que o Diogo nos vai surpreender. Esperamos um capítulo azul - turquesa que é a cor do mar que ele adora e em nada se parece com o mar de que, por exemplo, eu e o Mateus tanto gostamos…Neste momento, apercebo-me de que falo do Mateus como se de mim própria se tratasse, e no entanto, se em muitos momentos isso pode ser verdade, outros há em que eu e o Mateus pouco temos em comum para além de uma grande, inexcedível ternura e cumplicidade…Isso tem muito que ver com o facto de termos, como todos, diferentes maneiras de viver a vida que valorizamos de igual maneira, e tendo ele, tal como eu, essa consciência, temo nem agora conseguir surpreendê-lo, verdadeiramente…
Vou começar pelo princípio. Sempre senti, de alguma forma, que o Mateus me via como alguém arredio, uma espécie de gato vadio que canta à lua em noites sem lua, que rema contra a maré. E tudo isso é apenas uma parte da verdade. Eu e o Mateus, ao longo do tempo fomo-nos identificando pelos valores que nos eram mais caros, fomos aprendendo a conhecer-nos de tal forma que as palavras podiam ser substituídas por um simples olhar, em muitas situações. Para além disso, unia-nos uma imensa cumplicidade de vida que conseguia ultrapassar uma diferença formal que podia ser vista como os próprios pólos de um continuum… Enquanto o Mateus, na sua inextinguível vontade de compreender e harmonizar, às vezes tolera o que para mim é intolerável, eu ao contrário, não perco uma oportunidade de “guerrear” pelo que acredito… Eu sei que para ele, sou excessiva. Jamais afivelei a máscara de quem concorda, quando não concordo. O Mateus, por seu lado, deixa passar os momentos inadequados e espera por momentos mais adequados, e por isso, mais frutíferos…
O Mateus não me pediu para participar no seu trabalho, e não, não acredito que a verdadeira razão tenha sido o facto de eu estar de partida para um sonho…conhecemo-nos demasiado para que seja possível acreditar nisso, ou ele acreditar que eu o penso, e quando num dos seus telefonemas me disse” se tiveres um bocadinho escreve alguma coisa para mim”, eu percebi o seu receio de que eu fosse tão agreste como sempre e não houvesse, no seu trabalho, espaço para mim, pelo risco de quebra de harmonia de um trabalho que todos os que o conhecem sabem ser importantíssimo para ele. Assim, pela primeira vez, decidi não aprofundar a questão, limitando a desculpar-me com o volume de trabalho que tinha, mas que apesar de verdadeiro, jamais limitaria a minha vontade de fazer qualquer outra coisa, muito menos se essa outra coisa fosse uma paixão de sempre. Quando o Diogo me disse que ia participar no trabalho do Mateus, soltou-se do meu espírito uma ideia brincalhona que nunca mais conseguiria prender… pelo contrário, combinei com o Diogo que quando entregasse o seu trabalho, entregaria também o meu, e que o Mateus só teria conhecimento da minha participação no momento em que recebesse o meu contributo. Os dados estavam lançados, e o temor do meu amigo Mateus não evitaria nada. Não, nunca afivelei máscaras, mas na minha relação com o Mateus, após as primeiras tentativas de ser total e cruamente sincera, percebi que ele me conhecia ao ponto de saber até onde eu poderia ir, e evitava-o por sentir essa exposição desnecessária. A rebelde, na realidade foi muitas vezes domada por quem nunca deixou de ser doce… Mas sim, admito que às vezes sou excessiva, talvez até um pouco louca. Não deixo passar situações que me agridam, agrido ao questionar quando não entendo, quando se trata de coisas para mim inultrapassáveis, mas a que a maioria das pessoas fecha os olhos, guarda na gaveta, guarda até outro momento que na maioria das vezes nunca vai acontecer… e tudo em nome da boa convivência, dos bons modos, da civilidade que eu não tenho, a que me recuso baixar pagando por isso todos os dias um pouco…Sim, sei que sou radical. Apesar de partilharmos valores, sou o que ele chama carinhosamente de “guerrilheira” enquanto ele é contido, agradável, e nunca abre fogo nem faz ondas… Pois, Mateus… gosto muito de ti, mas vejo-te como um peixinho num lago tranquilo. Não parado. Nunca parado. Mas nunca agitas as águas, nunca te desesperas, descontrolas, ou perdes…
Ao contrário de ti, que vives numa concha de porta aberta mas de onde nunca sais, eu não tenho concha, não tenho medo, sou curiosa, aguerrida, mas como sabes bem, também sou terna…
Eu sei que pretendes ter no teu trabalho olhares diferentes sobre a vida. Aqui, sem contares, tens o meu olhar azul, e branco, e preto, e cinzento, e amarelo alaranjado…
Sei que o nosso afecto nunca esteve em causa mas sempre tive a percepção nítida de que evitavas os meus excessos… O meu amigo conciliador nunca quis ser desagradável, evitando por isso a minha desagradibilidade. Conhecia-me, respeitava-me, mas evitava os meus labirintos mais profundos para não perturbar a sua própria harmonia; e eu sei, Mateus, que o fazias para que em momento algum houvesse um descontrolo que pudesse sequer questionar a imensa amizade que nos une. Porque tu sabes, tendo para isso bastado ler nos meus olhos como até hoje ninguém foi capaz, que o que acabo de escrever é verdade, é o que penso, sem te amar menos um milímetro. Mas nunca deixaste que o dissesse para não ter que dizer também o que pensavas de mim, para que desabafo nenhum nos beliscasse, apesar do afecto que sentimos um pelo outro. Hoje, Mateus, é um dia especial para mim e tu conheces-me, os dias especiais são-no e pronto, não tem que haver razão nenhuma para sê-lo. Sinto que hoje é o meu dia, que tenho que escrever o que sinto e que é a única verdade que te omiti, mas que conheces mesmo sem nunca a teres ouvido. E hoje mesmo, sabes como são as minhas loucas sensações de urgência, inexplicáveis e alucinantes, vou pôr este trabalho no correio para que o Diogo to possa entregar quando entregar o dele. E sei que quando isso acontecer—mal posso esperar para ler o seu trabalho - vais reconhecer que esta é uma prova do meu infinito carinho por ti…
Vou pegar o jipe e fazer 70 kms para pôr isto no correio porque para mim isso é urgente, amanhã para mim pode não fazer sentido, posso tentar pensar como tu e escrever sobre os pássaros bonitos e a terra vermelha, e os odores que me envolvem em paixão… e continuaria a ser tudo verdade… Até logo, Mateus, agora tenho que ir… antes que anoiteça e a urgência se esvaia… e deixe de fazer sentido o que para mim, hoje, é tão importante…
Um dia destes, o Diogo, um amigo comum, disse-me com um olhar malicioso que ia dispensar o Mateus de fazer qualquer referência à vida vista através dos seus olhos, pois ia, ele próprio, falar da vida tal como ele, Diogo, a sentia…
A malícia advinha do facto de saber que todos os que o conhecemos parece vê-lo como um garotão, de sorriso deslumbrante, um bom amigo, mas leve e alegre, quase sempre acima dos problemas existenciais que assolam a maioria de nós, os seus amigos que às vezes são cinzentos, outras brancos, e outras ainda, amarelo - alaranjado…
Penso que o Diogo nos vai surpreender. Esperamos um capítulo azul - turquesa que é a cor do mar que ele adora e em nada se parece com o mar de que, por exemplo, eu e o Mateus tanto gostamos…Neste momento, apercebo-me de que falo do Mateus como se de mim própria se tratasse, e no entanto, se em muitos momentos isso pode ser verdade, outros há em que eu e o Mateus pouco temos em comum para além de uma grande, inexcedível ternura e cumplicidade…Isso tem muito que ver com o facto de termos, como todos, diferentes maneiras de viver a vida que valorizamos de igual maneira, e tendo ele, tal como eu, essa consciência, temo nem agora conseguir surpreendê-lo, verdadeiramente…
Vou começar pelo princípio. Sempre senti, de alguma forma, que o Mateus me via como alguém arredio, uma espécie de gato vadio que canta à lua em noites sem lua, que rema contra a maré. E tudo isso é apenas uma parte da verdade. Eu e o Mateus, ao longo do tempo fomo-nos identificando pelos valores que nos eram mais caros, fomos aprendendo a conhecer-nos de tal forma que as palavras podiam ser substituídas por um simples olhar, em muitas situações. Para além disso, unia-nos uma imensa cumplicidade de vida que conseguia ultrapassar uma diferença formal que podia ser vista como os próprios pólos de um continuum… Enquanto o Mateus, na sua inextinguível vontade de compreender e harmonizar, às vezes tolera o que para mim é intolerável, eu ao contrário, não perco uma oportunidade de “guerrear” pelo que acredito… Eu sei que para ele, sou excessiva. Jamais afivelei a máscara de quem concorda, quando não concordo. O Mateus, por seu lado, deixa passar os momentos inadequados e espera por momentos mais adequados, e por isso, mais frutíferos…
O Mateus não me pediu para participar no seu trabalho, e não, não acredito que a verdadeira razão tenha sido o facto de eu estar de partida para um sonho…conhecemo-nos demasiado para que seja possível acreditar nisso, ou ele acreditar que eu o penso, e quando num dos seus telefonemas me disse” se tiveres um bocadinho escreve alguma coisa para mim”, eu percebi o seu receio de que eu fosse tão agreste como sempre e não houvesse, no seu trabalho, espaço para mim, pelo risco de quebra de harmonia de um trabalho que todos os que o conhecem sabem ser importantíssimo para ele. Assim, pela primeira vez, decidi não aprofundar a questão, limitando a desculpar-me com o volume de trabalho que tinha, mas que apesar de verdadeiro, jamais limitaria a minha vontade de fazer qualquer outra coisa, muito menos se essa outra coisa fosse uma paixão de sempre. Quando o Diogo me disse que ia participar no trabalho do Mateus, soltou-se do meu espírito uma ideia brincalhona que nunca mais conseguiria prender… pelo contrário, combinei com o Diogo que quando entregasse o seu trabalho, entregaria também o meu, e que o Mateus só teria conhecimento da minha participação no momento em que recebesse o meu contributo. Os dados estavam lançados, e o temor do meu amigo Mateus não evitaria nada. Não, nunca afivelei máscaras, mas na minha relação com o Mateus, após as primeiras tentativas de ser total e cruamente sincera, percebi que ele me conhecia ao ponto de saber até onde eu poderia ir, e evitava-o por sentir essa exposição desnecessária. A rebelde, na realidade foi muitas vezes domada por quem nunca deixou de ser doce… Mas sim, admito que às vezes sou excessiva, talvez até um pouco louca. Não deixo passar situações que me agridam, agrido ao questionar quando não entendo, quando se trata de coisas para mim inultrapassáveis, mas a que a maioria das pessoas fecha os olhos, guarda na gaveta, guarda até outro momento que na maioria das vezes nunca vai acontecer… e tudo em nome da boa convivência, dos bons modos, da civilidade que eu não tenho, a que me recuso baixar pagando por isso todos os dias um pouco…Sim, sei que sou radical. Apesar de partilharmos valores, sou o que ele chama carinhosamente de “guerrilheira” enquanto ele é contido, agradável, e nunca abre fogo nem faz ondas… Pois, Mateus… gosto muito de ti, mas vejo-te como um peixinho num lago tranquilo. Não parado. Nunca parado. Mas nunca agitas as águas, nunca te desesperas, descontrolas, ou perdes…
Ao contrário de ti, que vives numa concha de porta aberta mas de onde nunca sais, eu não tenho concha, não tenho medo, sou curiosa, aguerrida, mas como sabes bem, também sou terna…
Eu sei que pretendes ter no teu trabalho olhares diferentes sobre a vida. Aqui, sem contares, tens o meu olhar azul, e branco, e preto, e cinzento, e amarelo alaranjado…
Sei que o nosso afecto nunca esteve em causa mas sempre tive a percepção nítida de que evitavas os meus excessos… O meu amigo conciliador nunca quis ser desagradável, evitando por isso a minha desagradibilidade. Conhecia-me, respeitava-me, mas evitava os meus labirintos mais profundos para não perturbar a sua própria harmonia; e eu sei, Mateus, que o fazias para que em momento algum houvesse um descontrolo que pudesse sequer questionar a imensa amizade que nos une. Porque tu sabes, tendo para isso bastado ler nos meus olhos como até hoje ninguém foi capaz, que o que acabo de escrever é verdade, é o que penso, sem te amar menos um milímetro. Mas nunca deixaste que o dissesse para não ter que dizer também o que pensavas de mim, para que desabafo nenhum nos beliscasse, apesar do afecto que sentimos um pelo outro. Hoje, Mateus, é um dia especial para mim e tu conheces-me, os dias especiais são-no e pronto, não tem que haver razão nenhuma para sê-lo. Sinto que hoje é o meu dia, que tenho que escrever o que sinto e que é a única verdade que te omiti, mas que conheces mesmo sem nunca a teres ouvido. E hoje mesmo, sabes como são as minhas loucas sensações de urgência, inexplicáveis e alucinantes, vou pôr este trabalho no correio para que o Diogo to possa entregar quando entregar o dele. E sei que quando isso acontecer—mal posso esperar para ler o seu trabalho - vais reconhecer que esta é uma prova do meu infinito carinho por ti…
Vou pegar o jipe e fazer 70 kms para pôr isto no correio porque para mim isso é urgente, amanhã para mim pode não fazer sentido, posso tentar pensar como tu e escrever sobre os pássaros bonitos e a terra vermelha, e os odores que me envolvem em paixão… e continuaria a ser tudo verdade… Até logo, Mateus, agora tenho que ir… antes que anoiteça e a urgência se esvaia… e deixe de fazer sentido o que para mim, hoje, é tão importante…
QUASE BELA
Este é um daqueles momentos da vida em que se torna inevitável falar sobre alguém ou alguma coisa de que nunca se quis falar antes, mas confesso que apesar da necessidade visceral de o fazer, é difícil falar sobre “ela”. Nunca admiti uma “ela” na minha vida. Nem mesmo “ela”! Ela era demasiado louca, demasiado profunda, demasiado superficial, demasiado revoltada, demasiado tolerante, demasiado…real… não, não me perguntem porquê mas esta foi sempre a forma como a vi, rude e doce, romântica e sarcástica, feminina e masculina, louca e racional, presente… e perdida…
Não, nunca poderia ter falado dela, até hoje. Não teria sabido o que dizer, teria parecido um idiota tropeçando nas palavras, perdendo o fio à meada, tal como está a acontecer agora, tal como ela sempre conseguiu fazer-me…
Ela quase não tinha nome. Ou tinha tantos que era quase impossível identificá-la, apesar de todos fazerem realmente parte dela. Ela tinha um nome, usava outro, tinha preferido ter um que não tinha; ao longo do tempo, quis ser uma pessoa que não era, gostou de ser quem era, mas a sua vida não passou de um turbilhão de coisas que queria ser, que sentia, que não queria e vivia, de sonhos que construía e vivia no seu espírito e não conseguiu, até determinado momento, concretizar. Dizia-se livre, mas mais do que livre, era semelhante a um velho gato de telhado, vadio, que teimava em miar à lua, sabendo que ela não o ouvia…”Ela” invadiu de terrores as minhas noites, engrandeceu alguns dos meus dias, fez-me pensar, fez-me amá-la, sem querer, mas sempre fui suficientemente racional para a amar, de alguma forma, mas nunca a querer, pois ela era a própria tormenta com que nunca saberia lidar. Ela era alegria da mais esfusiante, e era a negritude mais profunda. É verdade que era honesta. Foi muitas vezes franca até à crueldade para aqueles que mais amava, outras, complacente até à estupidez mais profunda. Ela era tudo, um turbilhão de emoções positivas e negativas, era toda dar, era toda receber, e a verdade é que ninguém estava preparado para ela…
Um dia quis dar voz a um dos sonhos que ao logo da vida tentou preservar e partiu de uma forma igual a ela própria: rápida, intensa e sem viagem de volta marcada. Atrás de si deixou pessoas que acharam óptimo o sossego, que lhe sentiram a falta, que a detestavam e que a amavam. Profunda e incondicionalmente,,,
Hoje está ali, A 100 metros, E não quero vê-la. Estão lá, também, as 9, 10 ou 11 pessoas que a conheceram pelos diversos nomes que teve e que, cada uma à sua maneira a amaram. Eu…eu não quero estar longe, mas também não quero estar demasiado perto. Não quero assumir que está perto porque não quero assumir que para quem tinha tudo dentro de si nada mais é possível,,,
Nunca a tive, mas conheci-a, e isso era o máximo que alguém poderia alcançar. Parece estranho? No entanto, podia-se amá-la, ser-se amado por ela mas nunca se poderia tê-la, e talvez até quem a amasse não a quisesse, pela impossibilidade natural desse facto…
Está ali. Não, não quero vê-la. Não me importa que estejam com violas e cantem, e riam, como ela teria gostado se pudesse ver, se os olhos estão marejados de lágrimas tal como os meus, que me recuso a vê-la. Para mim, neste momento, está apenas tão longe como o esteve a 2 centímetros da minha pele, e sei que nunca esteve muito mais próxima do que isso, tal como sei que amou estas 12 pessoas, mais todas as outras que se cruzaram com ela na rua, e no entanto, soube sempre que há momentos que são solitários…como este seu momento. Como este meu momento. Vou-me embora. Enquanto todos cantam como ela gostaria, e deixam rolar as lágrimas que ela não pode ver. Vou-me embora. E durante o caminho para casa, onde me encontrarei com ela longe desta gente, já terei a sua companhia, já estará comigo nas nossas horas secretas, cheias do meu amor e às vezes da minha incompreensão, do seu amor, da sua revolta, da sua decepção, da sua solidão…da sua vida e da sua morte…
Não, nunca poderia ter falado dela, até hoje. Não teria sabido o que dizer, teria parecido um idiota tropeçando nas palavras, perdendo o fio à meada, tal como está a acontecer agora, tal como ela sempre conseguiu fazer-me…
Ela quase não tinha nome. Ou tinha tantos que era quase impossível identificá-la, apesar de todos fazerem realmente parte dela. Ela tinha um nome, usava outro, tinha preferido ter um que não tinha; ao longo do tempo, quis ser uma pessoa que não era, gostou de ser quem era, mas a sua vida não passou de um turbilhão de coisas que queria ser, que sentia, que não queria e vivia, de sonhos que construía e vivia no seu espírito e não conseguiu, até determinado momento, concretizar. Dizia-se livre, mas mais do que livre, era semelhante a um velho gato de telhado, vadio, que teimava em miar à lua, sabendo que ela não o ouvia…”Ela” invadiu de terrores as minhas noites, engrandeceu alguns dos meus dias, fez-me pensar, fez-me amá-la, sem querer, mas sempre fui suficientemente racional para a amar, de alguma forma, mas nunca a querer, pois ela era a própria tormenta com que nunca saberia lidar. Ela era alegria da mais esfusiante, e era a negritude mais profunda. É verdade que era honesta. Foi muitas vezes franca até à crueldade para aqueles que mais amava, outras, complacente até à estupidez mais profunda. Ela era tudo, um turbilhão de emoções positivas e negativas, era toda dar, era toda receber, e a verdade é que ninguém estava preparado para ela…
Um dia quis dar voz a um dos sonhos que ao logo da vida tentou preservar e partiu de uma forma igual a ela própria: rápida, intensa e sem viagem de volta marcada. Atrás de si deixou pessoas que acharam óptimo o sossego, que lhe sentiram a falta, que a detestavam e que a amavam. Profunda e incondicionalmente,,,
Hoje está ali, A 100 metros, E não quero vê-la. Estão lá, também, as 9, 10 ou 11 pessoas que a conheceram pelos diversos nomes que teve e que, cada uma à sua maneira a amaram. Eu…eu não quero estar longe, mas também não quero estar demasiado perto. Não quero assumir que está perto porque não quero assumir que para quem tinha tudo dentro de si nada mais é possível,,,
Nunca a tive, mas conheci-a, e isso era o máximo que alguém poderia alcançar. Parece estranho? No entanto, podia-se amá-la, ser-se amado por ela mas nunca se poderia tê-la, e talvez até quem a amasse não a quisesse, pela impossibilidade natural desse facto…
Está ali. Não, não quero vê-la. Não me importa que estejam com violas e cantem, e riam, como ela teria gostado se pudesse ver, se os olhos estão marejados de lágrimas tal como os meus, que me recuso a vê-la. Para mim, neste momento, está apenas tão longe como o esteve a 2 centímetros da minha pele, e sei que nunca esteve muito mais próxima do que isso, tal como sei que amou estas 12 pessoas, mais todas as outras que se cruzaram com ela na rua, e no entanto, soube sempre que há momentos que são solitários…como este seu momento. Como este meu momento. Vou-me embora. Enquanto todos cantam como ela gostaria, e deixam rolar as lágrimas que ela não pode ver. Vou-me embora. E durante o caminho para casa, onde me encontrarei com ela longe desta gente, já terei a sua companhia, já estará comigo nas nossas horas secretas, cheias do meu amor e às vezes da minha incompreensão, do seu amor, da sua revolta, da sua decepção, da sua solidão…da sua vida e da sua morte…