TODOS OS MOMENTOS...
Cada vez mais acredito em momentos “não históricos”, em momentos disfarçados de neblina, em que tudo se constrói, como uma teia urdida em silêncio, que de repente se torna visível, vaporosa, perfeita…
É verdade, há sempre aqueles dias que são inesquecíveis, os tais dias históricos! Como o dia do nascimento do nosso primeiro filho (terá sido um milagre da madrugada para a manhã?), a primeira palavra (inventada na horinha?), o primeiro dia de escola, a primeira crise, a solene convicção de um dia tão importante como aquele em que o tal, o primeiro, faz dezoito anos, e de lágrimas nos olhos, embevecidos e receosos, orgulhosamente emocionados, soltamos um ”és um homem!”. Um homem acabadinho de fazer, a fazer justiça aos momentos históricos de que a nossa vida é povoada…
Não, eu acredito que somos os duendes que, laboriosamente, atrás dos nossos momentos históricos, pela calada da vida a que não damos importância, vão tecendo a trama que no momento certo se torna visível, num piscar de olhos que despoleta a luz, que a traz à tona… mas, laboriosamente e mais uma vez, já os duendes estão de novo nas catacumbas de si próprios, amassando, às vezes disparando em todas as direcções, construindo o próximo momento histórico, alheios ao som das palmas do último, que para eles já passou, que foi, de todos, o mais estéril… o ser que lhes dá o rosto recebê-las-á e esperará, sem sobressaltos, o próximo momento que, sem saber, já está a construir com o que não sabe que tem, dentro de si…
Momentos … como aquele momento em que, de repente, sem saberes como, percebes que algo ensombra a tua vida feliz… estás sentada na cama, as mãos abraçando as pernas, o rosto descaindo sobre o corpo… e percebes… percebes finalmente o que tantos momentos felizes te esconderam: o demasiado bom, em que custaste a acreditar é afinal… demasiado pouco… (malditos duendes!). Relembras a amálgama de sentimentos que se apossou de ti durante um período de tempo que te parecia já ser toda a vida. Relembras o fascínio (e sim, tens consciência que relembrar continua a ser sentir, mas já de uma outra forma, mais distante, menos apaixonada) que sentiste pela enorme proximidade que existia entre os dois, as pequenas diferenças tão aceites, tão…tão boas de sentir diferenças face ao que possuíam em comum…Agora, sentes que o problema não está, como é tantas vezes referido, em olhar ou não na mesma direcção, ou em olharem lado a lado em direcções diferentes… o problema está na esterilidade do vosso amor, na maravilhosa magia de partilharem o que têm para partilhar e na completa incapacidade de construir seja o que for, juntos. Também aqui perpassa um velho cliché que apenas o é pela constatação da probabilidade com que acontece e que sem poder ser encarado – como tudo, afinal - como uma verdade absoluta, nos relembra que muitas vezes, o amor é estéril e pode consumir quem o sente na própria chama se não lhe proporcionarmos o oxigénio suficiente para se renovar, para o transformar , todos os dias, enquanto relação, num regresso a casa, a uma paz ou ardor que nos faz falta, e que para isso também é importante ter um espaço pessoal que impeça a obsessão e, mais tarde, a inevitável asfixia... Partilhar gargalhadas e dores não basta, lamber feridas não basta, pode ajudar a não afundar nesse momento, mas não ajuda a construir algo. Faltará sempre alguma coisa, faltará uma parte de um, faltará uma parte de outro, e essa falta irá asfixiar, destruir a magia, o deslumbramento daqueles momentos que, sentes agora, eram tudo o que tinham... Esses momentos eram tudo… sem terem sido momentos históricos, fizeram a história, a vossa história. O momento histórico mostrou apenas que não havia nada para lá deles. Onde está a história da nossa vida? O que é afinal tão importante que nos faça querer continuar e de que não nos damos conta? Os momentos que não são história e constroem a história ou o momento histórico em que descobres que a história afinal não tem sentido? Não sabes, só sabes que o beijo já não é salgado, o coração continua a bater mas já não entendes porquê, a vontade de mudar de rumo é imperativa… A dor e a criatividade que estiveram ausentes por instantes, os tais não históricos, voltou, e o rio de águas mansas que te afoga diz que não sabes o que fazer, que é duro admiti-lo, mas a vida parece ter apenas sentido no momento de recomeçar, e depois… há a dor… há sempre a dor…
Há quem passe pela vida sem a sentir... Descubra a magia da partilha, esqueça o que não interessa, agite a bandeira, proclame o valor mais alto e… seja feliz! Outros há que não se contentam em ver deslizar os seus sonhos colina abaixo, questionam-se, questionam o amor que os cegou de luz por instantes, querem saber o que fez o curso das águas mudar de direcção, o que embranquece os seus cabelos, o que entristece o seu olhar. E não param aos trinta, aos quarenta, aos cinquenta… não podem parar porque isso seria o desistir de si próprios. Assim, com a mesma força, aos vinte, trinta, quarenta ou cinquenta, como se a vida lhes desse o eterno direito de recomeçar, como se fossem jovens para sempre e tivessem para sempre a vida toda à sua frente, são imparáveis, para não morrer por dentro… E têm, sim, a vida à sua frente! A sua vida, seja dez segundos ou trinta anos; e sim, eu acredito que têm o direito de pagar a factura que a vida lhes cobrar por terem a veleidade de se acharem eternos enquanto respirarem, por escolherem a mudança quando sentem que a magia se extingue, por deixar que os outros acreditem que a qualquer momento podem deixar destroços atrás de si, quando nesses momentos os únicos destroços são eles próprios que, apesar disso, continuam a encontrar dentro de si forças para continuar à procura de um pôr-do-sol qualquer, que está sempre, por mais que caminhem, um pouco mais além de si próprios…Talvez seja um dos “eternos” de que sempre ouvimos falar na verdura dos nossos tenros anos e que, por essa razão nunca entendemos…
Parece-me a velha questão do ser e do existir, do eterno que afinal a todo o momento termina e recomeça, ou simplesmente se renova, remetendo-nos para outras (questões igualmente velhas, mas jamais esquecidas) que nos confortam em horas que são estupidamente turbulentas e inevitavelmente solitárias, como o direito que temos de, querendo ou não ser correctos, bons, límpidos e maravilhosos, podermos ser também um pouco egoístas, de nos amarmos, de não querer acabar antes de começar, de não rejeitar o que ficou para trás, mas sentir que temos o direito de seguir em frente, de nos desfazermos em pedaços e de nos reconstruirmos, com mais isto e aquilo, com menos isto e aquilo, mas nos recusarmos a morrer até o coração parar…Sim, a mim parece-me o velho lugar comum do “eterno enquanto dura” mas que, apesar de tudo me parece fazer mais sentido do que “aqui estou eu, inteira e quem sabe…talvez prisioneira?” Talvez, afinal, esta seja a eternidade possível, e para os tais guerrilheiros de vidro que nunca se rendem e são muitas vezes os primeiros a partir, a única verdadeira, por, afinal, ter ressaltos, fins e recomeços, ser eterna procura…
“Amei-te… e amar-te-ei sempre, mas tenho que continuar… ”Não, não se diz, mas pode sentir-se, e pode ser mais penoso partir do que ficar, porque o direito a continuar não atenua sentimentos de culpa, só que “desculpa, amor, mas dor alguma me pode impedir de continuar, não pode fazer-me desistir… de mim… e contudo, é eterno o meu amor por ti! Assumo-o, solenemente, neste momento histórico que não existe, é apenas o culminar dos momentos sem história em que os meus duendes trabalharam afincadamente enquanto eu… te amava, simplesmente…”
É verdade, há sempre aqueles dias que são inesquecíveis, os tais dias históricos! Como o dia do nascimento do nosso primeiro filho (terá sido um milagre da madrugada para a manhã?), a primeira palavra (inventada na horinha?), o primeiro dia de escola, a primeira crise, a solene convicção de um dia tão importante como aquele em que o tal, o primeiro, faz dezoito anos, e de lágrimas nos olhos, embevecidos e receosos, orgulhosamente emocionados, soltamos um ”és um homem!”. Um homem acabadinho de fazer, a fazer justiça aos momentos históricos de que a nossa vida é povoada…
Não, eu acredito que somos os duendes que, laboriosamente, atrás dos nossos momentos históricos, pela calada da vida a que não damos importância, vão tecendo a trama que no momento certo se torna visível, num piscar de olhos que despoleta a luz, que a traz à tona… mas, laboriosamente e mais uma vez, já os duendes estão de novo nas catacumbas de si próprios, amassando, às vezes disparando em todas as direcções, construindo o próximo momento histórico, alheios ao som das palmas do último, que para eles já passou, que foi, de todos, o mais estéril… o ser que lhes dá o rosto recebê-las-á e esperará, sem sobressaltos, o próximo momento que, sem saber, já está a construir com o que não sabe que tem, dentro de si…
Momentos … como aquele momento em que, de repente, sem saberes como, percebes que algo ensombra a tua vida feliz… estás sentada na cama, as mãos abraçando as pernas, o rosto descaindo sobre o corpo… e percebes… percebes finalmente o que tantos momentos felizes te esconderam: o demasiado bom, em que custaste a acreditar é afinal… demasiado pouco… (malditos duendes!). Relembras a amálgama de sentimentos que se apossou de ti durante um período de tempo que te parecia já ser toda a vida. Relembras o fascínio (e sim, tens consciência que relembrar continua a ser sentir, mas já de uma outra forma, mais distante, menos apaixonada) que sentiste pela enorme proximidade que existia entre os dois, as pequenas diferenças tão aceites, tão…tão boas de sentir diferenças face ao que possuíam em comum…Agora, sentes que o problema não está, como é tantas vezes referido, em olhar ou não na mesma direcção, ou em olharem lado a lado em direcções diferentes… o problema está na esterilidade do vosso amor, na maravilhosa magia de partilharem o que têm para partilhar e na completa incapacidade de construir seja o que for, juntos. Também aqui perpassa um velho cliché que apenas o é pela constatação da probabilidade com que acontece e que sem poder ser encarado – como tudo, afinal - como uma verdade absoluta, nos relembra que muitas vezes, o amor é estéril e pode consumir quem o sente na própria chama se não lhe proporcionarmos o oxigénio suficiente para se renovar, para o transformar , todos os dias, enquanto relação, num regresso a casa, a uma paz ou ardor que nos faz falta, e que para isso também é importante ter um espaço pessoal que impeça a obsessão e, mais tarde, a inevitável asfixia... Partilhar gargalhadas e dores não basta, lamber feridas não basta, pode ajudar a não afundar nesse momento, mas não ajuda a construir algo. Faltará sempre alguma coisa, faltará uma parte de um, faltará uma parte de outro, e essa falta irá asfixiar, destruir a magia, o deslumbramento daqueles momentos que, sentes agora, eram tudo o que tinham... Esses momentos eram tudo… sem terem sido momentos históricos, fizeram a história, a vossa história. O momento histórico mostrou apenas que não havia nada para lá deles. Onde está a história da nossa vida? O que é afinal tão importante que nos faça querer continuar e de que não nos damos conta? Os momentos que não são história e constroem a história ou o momento histórico em que descobres que a história afinal não tem sentido? Não sabes, só sabes que o beijo já não é salgado, o coração continua a bater mas já não entendes porquê, a vontade de mudar de rumo é imperativa… A dor e a criatividade que estiveram ausentes por instantes, os tais não históricos, voltou, e o rio de águas mansas que te afoga diz que não sabes o que fazer, que é duro admiti-lo, mas a vida parece ter apenas sentido no momento de recomeçar, e depois… há a dor… há sempre a dor…
Há quem passe pela vida sem a sentir... Descubra a magia da partilha, esqueça o que não interessa, agite a bandeira, proclame o valor mais alto e… seja feliz! Outros há que não se contentam em ver deslizar os seus sonhos colina abaixo, questionam-se, questionam o amor que os cegou de luz por instantes, querem saber o que fez o curso das águas mudar de direcção, o que embranquece os seus cabelos, o que entristece o seu olhar. E não param aos trinta, aos quarenta, aos cinquenta… não podem parar porque isso seria o desistir de si próprios. Assim, com a mesma força, aos vinte, trinta, quarenta ou cinquenta, como se a vida lhes desse o eterno direito de recomeçar, como se fossem jovens para sempre e tivessem para sempre a vida toda à sua frente, são imparáveis, para não morrer por dentro… E têm, sim, a vida à sua frente! A sua vida, seja dez segundos ou trinta anos; e sim, eu acredito que têm o direito de pagar a factura que a vida lhes cobrar por terem a veleidade de se acharem eternos enquanto respirarem, por escolherem a mudança quando sentem que a magia se extingue, por deixar que os outros acreditem que a qualquer momento podem deixar destroços atrás de si, quando nesses momentos os únicos destroços são eles próprios que, apesar disso, continuam a encontrar dentro de si forças para continuar à procura de um pôr-do-sol qualquer, que está sempre, por mais que caminhem, um pouco mais além de si próprios…Talvez seja um dos “eternos” de que sempre ouvimos falar na verdura dos nossos tenros anos e que, por essa razão nunca entendemos…
Parece-me a velha questão do ser e do existir, do eterno que afinal a todo o momento termina e recomeça, ou simplesmente se renova, remetendo-nos para outras (questões igualmente velhas, mas jamais esquecidas) que nos confortam em horas que são estupidamente turbulentas e inevitavelmente solitárias, como o direito que temos de, querendo ou não ser correctos, bons, límpidos e maravilhosos, podermos ser também um pouco egoístas, de nos amarmos, de não querer acabar antes de começar, de não rejeitar o que ficou para trás, mas sentir que temos o direito de seguir em frente, de nos desfazermos em pedaços e de nos reconstruirmos, com mais isto e aquilo, com menos isto e aquilo, mas nos recusarmos a morrer até o coração parar…Sim, a mim parece-me o velho lugar comum do “eterno enquanto dura” mas que, apesar de tudo me parece fazer mais sentido do que “aqui estou eu, inteira e quem sabe…talvez prisioneira?” Talvez, afinal, esta seja a eternidade possível, e para os tais guerrilheiros de vidro que nunca se rendem e são muitas vezes os primeiros a partir, a única verdadeira, por, afinal, ter ressaltos, fins e recomeços, ser eterna procura…
“Amei-te… e amar-te-ei sempre, mas tenho que continuar… ”Não, não se diz, mas pode sentir-se, e pode ser mais penoso partir do que ficar, porque o direito a continuar não atenua sentimentos de culpa, só que “desculpa, amor, mas dor alguma me pode impedir de continuar, não pode fazer-me desistir… de mim… e contudo, é eterno o meu amor por ti! Assumo-o, solenemente, neste momento histórico que não existe, é apenas o culminar dos momentos sem história em que os meus duendes trabalharam afincadamente enquanto eu… te amava, simplesmente…”